quinta-feira, 1 de maio de 2008

Milagres

Podem ser ‘construídos’ e ‘instantâneos’

Ser cristão é implicitamente crer em milagres, crer em um Deus que “faz sinais e maravilhas”, como declarou até mesmo o rei pagão Dario, que se converteu ao testemunhar o livramento recebido por Daniel na cova dos leões (Dn 6.27). O milagre é parte integrante da fé, e, nos tempos difíceis atuais, muitos crentes têm se voltado intensamente para Deus em busca de um favor sobrenatural para suas vidas.

O novo ano começa a amadurecer, e quando, em toda manhã, cada um se encontra vivo, vendo o sol despontar no horizonte e reconhecendo que “até aqui nos ajudou o Senhor”, um milagre está sendo vivido. E tudo realizado por um Deus humilde que prefere se esconder a se exibir, como observou o profeta Isaías e escreve em seu novo livro o pastor inglês Graham Tomlin, da Faculdade de Teologia de Oxford: “Deus é humilde, ainda que não pareça ter motivo para tal. Ele não chama a atenção para si mesmo nem faz alarde de suas próprias qualidades. Prefere que os outros façam isso por ele. Não há nenhuma assinatura escrita no céu, nem outdoors ou letreiros luminosos dizendo: ‘Feito por Deus, só para VOCÊ!’”

Há milagres cotidianos que Deus faz sem alarde, como a flutuação do nosso planeta no espaço com o peso de seis bilhões de pessoas, animais, árvores, construções e veículos, passando por aquele que é considerado “o maior dos milagres” pela psicóloga e educadora cristã Elizete Malafaia – a salvação de uma alma –, até chegar às curas miraculosas das cruzadas evangelísticas. O mundo está inundado de milagres – alguns são espetaculares, outros ocorrem no cotidiano perigoso das cidades e outros, ainda, são operados no recôndito de um quarto, na intimidade entre o Espírito Santo e um coração quebrantado.

Por definição, milagre pode ser entendido como uma evidência extraordinária do poder de Deus, que intervém na lógica natural das coisas e manifesta o seu amor, sua compaixão, seus livramentos, seu juízo, sua vontade soberana e sua glória.

“Creio, sim, que Deus continua fazendo milagres hoje, assim como no passado, até porque ele é o mesmo ontem, hoje e eternamente, e não há nas escrituras nenhuma passagem que afirme que só haveria milagres em determinada época”, afirma a enfermeira comunitária Maria de Fátima Almeida, convertida há 13 anos. Para ela, o ingrediente básico para o milagre é a fé: “Não há dúvida de que o milagre é proporcional ao tamanho da fé e a maneira como ela é vivenciada por quem o busca. O próprio Jesus demonstra isso na passagem de Lucas 7.9, quando elogia a fé do centurião romano. Para vermos milagres em nossas vidas, necessitamos de uma fé robusta e bem exercitada. E para que essa fé resulte em um milagre, é necessário não olharmos para as circunstâncias, pois estas minam a fé. E isso não é uma tarefa nem fácil e nem comum em nossos dias”, Fátima reconhece.

Ressalvando que milagre é algo incomum aos olhos naturais e que está além do que a capacidade humana pode realizar, Elizete Malafaia diz que, desde menina, como filha de pastor da Assembléia de Deus, já viu muitos milagres, tanto na sua igreja como nas cruzadas de Morris Cerullo, Bernard Johnson e em congressos de seu marido, o pastor Silas Malafaia. “Já vi paralíticos andarem, cegos enxergarem, cancerosos serem curados, assim como os milagres que mais me tocam como psicóloga, que são os de cura interior, quando uma pessoa tem suas emoções restauradas pela operação do Espírito Santo.”

MILAGRES CONSTRUÍDOS

O repertório de milagres na história da Igreja é tão grande que seria possível, “grosso modo”, dividi-los entre “milagres construídos” e “milagres instantâneos”. Estes últimos seriam as operações de maravilhas, citadas pela psicóloga, visíveis nas cruzadas e em alguns cultos pentecostais como sinais da presença de Deus. No Novo Testamento, quase a totalidade dos milagres de Jesus se deu dessa forma, a partir de um movimento de fé dos que buscavam o milagre (a mulher hemorrágica, o cego Bartimeu, a mulher siro-fenícia e o já citado centurião, dentre muitos outros). Também Paulo e Pedro operaram milagres instantâneos de cura divina e ressurreição de mortos.


O missionário R.R. Soares, líder da Igreja Internacional da Graça de Deus, tem reunido multidões de norte a sul do país para pregar a Bíblia e realizar milagres

Porém os milagres que mais fazem parte da Igreja contemporânea são os que poderíamos chamar de “milagres construídos”: aqueles que vão sendo conquistados paulatinamente numa parceria íntima do crente com Deus, muitas vezes entre lágrimas e joelhos no chão, a exemplo do que ocorreu no Antigo Testamento com Ana, em busca da concepção (1 Sm 1.11ss).

“Nada se obtém sem esforço na vida cristã, e com o milagre não é diferente. É necessário fé, decisão, santidade, compromisso, intensidade, perseverança e muito esforço”, costuma dizer o pastor Marco Antônio Peixoto, da Comunidade Evangélica Internacional da Zona Sul, em seu programa de sábado na TV. Corroborando, a enfermeira Fátima lembra que, mesmo na Bíblia, os milagres sempre foram exceções à regra, “ainda que conquistados por pessoas humildes ou anônimas que se colocaram na dependência em Deus e creram nEle acima de seus problemas”.

O tradutor José Fontenelle, que ora pelo cuidado de Deus sobre os filhos que se afastaram da igreja na adolescência após o divórcio dos pais, acrescenta os ingredientes da “confiança”, da “batalha espiritual” e da “esperança”. “O esforço de pais crentes na minha situação tem de ser muito grande, sim, e isso implica em colocar toda a confiança nas promessas da Bíblia para os filhos, combater com vigor as forças do mal na vida deles e cultivar no coração a esperança do milagre”, diz ele.

O esforço no mundo sobrenatural da oração tem um paralelo no mundo natural. O cantor e pregador mexicano Marcos Witt, ganhador de vários “Grammy” de música latina, e que está lançando um livro no Brasil, explica a diferença. “Não só acredito em milagres, como já os vi com meus próprios olhos; não apenas na vida de outros, mas na minha própria. Tenho aprendido que o que podemos conquistar com disciplina, perseverança e esforço físico não precisa de um milagre de Deus. Milagres devem ser para aquelas coisas que nós, mortais, não podemos fazer. Muitas vezes queremos tomar uma pílula mágica que vai consertar tudo, mas não funciona assim.”

Buscar incessantemente, sem duvidar, e saber esperar o momento de Deus, sem murmurar, é a fórmula de Elizete Malafaia, para quem o milagre construído junto com Deus “é lindo e maravilhoso, pois o Espírito Santo investe em nós todos os dias”. Para a psicóloga e escritora, milagre é também “realizarmos, em parceria com Ele, as obras para a qual fomos designados nesta terra. E o lindo é que cada um tem o seu jeito de realizar.”

MILAGRES DA IGREJA PRIMITIVA
Biblicamente, um dos principais objetivos de Deus ao promover milagres, além de libertar pessoas do sofrimento, era o de despertar a fé para que pessoas conhecessem e se entregassem a Deus. E isso acontecia com freqüência na Igreja Primitiva. Está registrado no livro de Atos que o restabelecimento da saúde de Enéias (9.34,35) resultou na conversão de todos os habitantes de Lida e de Sarona, provocando a salvação de duas cidades inteiras; a cura de um paralítico por intermédio de Pedro no templo de Jerusalém levou cinco mil pessoas a se converterem; o terremoto enviado por Deus, que abalou os alicerces da prisão onde Paulo e Silas estavam presos, ocasionou a conversão do carcereiro e sua família; o escape dado por Deus a Paulo, após ele ser picado por uma cobra venenosa, e a posterior cura de todos os enfermos da Ilha de Malta por meio da oração do apóstolo permitiram que os bárbaros do lugar pudessem testemunhar o poder do Jesus que Paulo pregava. Estes são muitos dentre outros episódios relatados no livro.


SOLUÇÕES MÍSTICAS

Num mundo em que tudo é espetáculo, até a fé teve de virar show para atrair o olhar das massas para a obra de Deus. Apoiado no sucesso de seu Show da Fé, primeiro programa evangélico a conquistar o horário nobre da TV aberta, o missionário R.R. Soares, líder da Igreja Internacional da Graça de Deus, tem reunido multidões de norte a sul do país para pregar a Bíblia e realizar milagres.

Dentre estes, o acontecido numa cruzada em Palmas (TO). Nem o temporal que desabou sobre a cidade fez Luceni Pereira abandonar o local do evento sem que antes fosse curada das seqüelas de um acidente de moto ocorrido em 2006. Ela enfrentou a forte chuva e, após ouvir a pregação do missionário sobre a fé perseverante de Jacó, dirigiu-se ao palco. Ali recebeu a oração de Soares e teve os movimentos das pernas recuperados, deixando o local em prantos, carregando as muletas sobre os ombros. “Orei com o missionário e minhas pernas se firmaram. Então, me senti curada e deixei as muletas”, afirma, após receber a graça.

No caso de Soares, os milagres que acontecem nas cruzadas e que são relatados no quadro “Novela da Vida Real” de seu programa diário na TV, são pavimentados pela fé que é estimulada pela pregação da Bíblia. Mas o que dizer quando o milagre passa a ser o centro das atenções, o chamariz exclusivo de alguma denominação que, na trilha do chamado neopentecostalismo, despeja milagres extravagantes pela TV sem preocupação com a Palavra?

Na visão de Elizete Malafaia, os milagres por si mesmos jamais autenticam qualquer coisa. “É importante que sejam acompanhados por genuínas expressões espirituais”, ela exorta. O pastor presbiteriano Éber Lenz César, por sua vez, recomenda que ao invés de se tentar soluções místicas “como repreender a enfermidade, fazer descarrego, aplicar óleo ungido ou expulsar um suposto espírito mau”, deve-se “orar com humildade, confiança e submissão à vontade de Deus.” Ele afirma que é preciso levar em conta o ensino bíblico sobre as causas do sofrimento.

No ministério pastoral há 41 anos, Éber César lembra quando sua esposa Márcia recebeu em 1990 um diagnóstico de miastenia gravis, a mesma doença, considerada incurável, que acometeu o ex-campeão de xadrez Mequinho. “Uma pessoa crente chegou à nossa casa pedindo para expulsar o demônio de Márcia e eu lhe respondi que ela estava em plena comunhão com Deus e que aquilo não era demônio, era uma provação. Oramos muito e pedimos orações às igrejas. Em 70 dias, minha esposa estava com seus músculos revitalizados e voltando às atividades normais. A cura não foi imediata, espontânea, nem mística. Mas foi um milagre, sim, no tempo de Deus, em resposta às orações. E Deus usou médicos e remédios!”, ele conta, afirmando que a medicina pode fazer parte de um milagre.


Para a psicóloga e educadora cristã Elizete Malafaia, milagre também é realizar as obras que Deus designou ao seu povo. "E o lindo é que cada um tem o seu jeito de realizar", enfatiza

LIVRAMENTOS E COMUNHÃO

Convertida há dois anos e moradora de uma comunidade de risco, A.M.S.O., auxiliar de serviços gerais, tem testemunhado “milagres diários de Deus” na proteção de sua filha de 9 anos e seu filho de 16. “O crack invadiu de tal forma o lugar em que eu moro que até meu marido foi vítima dessa droga”, lamenta ela.

Na luta para recuperar o marido do vício, ela acabou conhecendo a Jesus e se firmando numa igreja. Hoje, toda a família é evangélica, e a servente tem provado o milagre dos livramentos de Deus nas idas e vindas dos filhos, “muitas vezes no fogo cruzado entre a polícia e os traficantes”. Para ela, o fato de sua família não ter sido vítima de bala perdida e de o filho adolescente estar freqüentando a igreja em vez de uma boca de fumo, “também é um imenso milagre”. Sua vizinha Kátia Cilene é ainda mais contundente. “Milagre é sobreviver como pobre e morador de favela numa sociedade em que todos só se preocupam com o próprio umbigo.”

Para Elizete Malafaia, todos os sinais são importantes, mas, segundo ela, os maiores milagres que o Corpo de Cristo deve buscar para fazer diferença na terra são “a comunhão e cooperação entre as igrejas e a libertação de vidas. É o milagre que pode produzir um grande avivamento”, conclui.


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