Saiba de que forma
O programador Diego, 21 anos, e a jornalista Fabiana Almeida, 27, estão noivos e vão casar no dia 24 de maio. Desde que começaram a namorar, no ano retrasado, o trato entre os dois era estruturar a vida profissional até o dia do casamento. Agora que a questão financeira está resolvida para os dois, não há mais motivos para adiar o sonho branco: o casal vai consolidar os votos no altar, diante da família e convidados, e efetivar o chamado casamento de “papel passado”.
O discurso parece retrógrado, mas Diego e Fabiana representam a realidade da maioria, e não o contrário. Estatísticas demonstram que o casamento ainda é a preferência dos brasileiros. Mesmo em tempos em que o sexo entre pessoas solteiras é cada vez comum, muita gente ainda faz questão da legalidade da união civil. Dados recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelaram que o número de casamentos realizados no Brasil prosseguiu em franca expansão em 2006.
A harmonia entre David e Helenir Vieira só aconteceu depois de muito diálogo e mudança de atitude em relação às divergências e particularidades de cada um, mesmo que ainda existam conflitos de idéias A pesquisa contabilizou um total de 889.828 casamentos realizados no Brasil, número 6,5% maior do que o apurado no ano anterior. A constatação confirma uma tendência de crescimento nos índices de casamentos que vêm sendo registrados no país desde 2002.
O mais curioso é que 85,2% do total de casamentos realizados ocorreram entre solteiros. Destes, 30% estão na faixa etária de 20 a 24 anos, no sexo feminino, e 25 a 29 entre os homens. Traduzindo os números: os jovens continuam se lançando de cabeça nesse modelo de família.
Para Diego e Fabiana, o matrimônio não representa uma “instituição falida”, profetizada por muitos especialistas contemporâneos, mas, sim, a forma ideal de se constituir uma família. “É a instituição que Deus criou”, define a jovem. “E, antes de mais nada, não cremos que o casamento seja apenas uma assinatura de contrato de acordo com a lei dos homens. Mas uma união abençoada por Deus, que foi quem instituiu o casamento em Gênesis”, acrescenta o rapaz.
Após trocarem as alianças, o casal terá outro desafio: multiplicar a família depois de alguns poucos anos de união. “Somos loucos para sermos pais. Planejo esperar uns três anos para curtirmos um pouco mais a vida a dois, embora o Diego peça para diminuirmos esse prazo”, revela Fabiana. Para Diego, o quadro de sua família está bem claro: “Casados, felizes, com dois filhos e aproveitando todas as bênçãos que Deus reservou para a nossa família”.
O GARGALO DO DIVÓRCIO
Mas, apesar de tantos adeptos do casamento, nem tudo são flores. A vontade de ficar ao lado de quem se ama parece transpor todas as barreiras no início da união. No entanto, a realidade dos matrimônios no Brasil não tem sido tão florida assim. Desde que o divórcio foi instituído no país, há exatamente 30 anos, a prática da separação tem sido o principal recurso para “resolver” os problemas de relacionamento conjugal. No início, vêm os votos, o amor, a paixão, o sexo... Depois, as responsabilidades, incompatibilidades, a questão financeira e, por fim, a separação acaba minando o sonho branco de muitos casais.
O percentual de divórcios ainda é maior do que o número das uniões no país. O número de separações judiciais cresceu 1,4% no Brasil em 2006, em relação ao ano anterior. Já o número de divórcios aumentou 7,7% no mesmo período. Ou seja, as pessoas continuam se casando, mas o ideal de “até que a morte os separe” não é mais alcançado. Parafraseando o poeta Vinicius de Moraes, em seu famoso “Soneto da Fidelidade”, o que vale na sociedade atual é a intensidade, não a longevidade da relação.
A pesquisa ainda revelou que é crescente a proporção de casamentos entre indivíduos divorciados com cônjuges solteiros. O percentual de homens divorciados que casaram com mulheres solteiras passou de 4,2% do total de casamentos realizados no país em 1996, para 6,5% em 2006. Também houve aumento do percentual de casamentos entre cônjuges divorciados: de 0,9% em 1996 para 2,2% em 2006.
Mais uma vez, os dados mostram que o casamento continua sendo perseguido mesmo entre aqueles que já viveram uma decepção conjugal. “As pessoas estão descobrindo que é impossível ser feliz sozinho. Daí a procura por valores que sempre deram certo. Aquilo que era ultrapassado está se tornando moda outra vez”, explica o pastor Silmar Coelho, casado há 31 anos e pai de quatro filhos, doutor em Teologia e Liderança pela Universidade Oral Roberts, nos Estados Unidos.
Apesar dos esforços, é consenso que o grande desafio dos casamentos atuais não está na união em si, mas na longevidade das relações. O IBGE constatou que o tempo médio de vida conjugal dos casais no Brasil é de 12 anos, e a maioria se separa quando está na casa dos dois anos de relacionamento. “Infelizmente, está havendo uma banalização do casamento como instituição divina, e isso é prejudicial para a sociedade”, acredita o pastor e terapeuta familiar Josué Gonçalves, do Ministério Família e Graça. Ele acrescenta que o problema crucial do casamento nos tempos modernos está na falta de tempo com qualidade e no “amor sacrificial”.
“Há casos em que as discussões se tornam muito repetitivas, e o casal não consegue romper o ciclo vicioso”, observa Fábio Damasceno, coordenador do Instituto Integração Família, ao lado da esposa Segundo Gonçalves, grande parte das pessoas se casa sem nenhum preparo para viver a vida como Deus planejou para ser vivida. “Hoje, a ênfase é naquilo que é descartável, inclusive quando se trata de relacionamento. Não há profundidade no compromisso entre as pessoas.
A maioria se casa sem ter a mínima noção do que significa uma ‘aliança’, ‘um pacto’. Pergunte para alguns casais de noivos por que eles estão se casando e não se assuste com as respostas. Pergunte para esses casais se eles sabem o que é uma ‘aliança’”, afirma.
Pastor Sebastião Carvalho e esposa: ambos são líderes do Ministério Casados para Sempre, instituição que atua no aconselhamento para a família em 96 países há 25 anos AUTOCONHECIMENTO
No dia-a-dia dos matrimônios, o que se verifica é que as crises giram em torno de palavras-chave como dinheiro, comunicação, filhos, sexo, responsabilidades, embora não exista uma única fórmula que resolva todos esses problemas conjugais. Mas, antes mesmo de se casar, é preciso entender sobre si mesmo.
“A gente precisa entender qual é a raiz dos problemas. Muitas vezes, as pessoas estão casadas com o passado. Elas não se conhecem, não se entendem, não sabem qual expectativa têm com relação ao outro e cobram do outro algo que nem mesmo sabem o que é”, explica a terapeuta de casais Elizabeth Pimentel.
As questões de ordem financeira geram igualmente muitos contratempos no casamento, principalmente numa sociedade em que as mulheres também levam o sustento para casa. O dinheiro sempre foi a “causa” do sucesso ou do fracasso de muitos relacionamentos. No entanto, as dicas para enfrentar essa questão são bem razoáveis. O primeiro conselho segue a linha do bom senso. Josué Gonçalves aconselha: “É vital para o matrimônio que o homem e a mulher saibam ganhar e administrar o dinheiro. O equilíbrio financeiro contribui para o bem-estar do casal”.
RETRATO DAS FAMÍLIAS BRASILEIRAS
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EM ALTA 85,2% do total de casamentos realizados em 2006 foram entre solteiros 30% desses solteiros são jovens entre 20 a 29 anos 27% dos casais estão juntos há mais de dez anos e menos de vinte O número de casamentos cresceu 6,5% em 2006, comparado ao ano anterior
EM BAIXA O número de separações judiciais cresceu 1,4% no Brasil em 2006 em relação ao ano anterior. O número de divórcios aumentou 7,7% no mesmo período O porcentual de homens divorciados que casaram com mulheres solteiras passou de 4,2% do total de casamentos realizados no país em 1996, para 6,5% em 2006 O índice de casamentos entre cônjuges divorciados cresceu de 0,9% em 1996 para 2,2% em 2006
Fonte: IBGE
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Dependendo do caso, a divisão das rendas pode gerar contenda entre marido e mulher na distribuição dos pagamentos. Logo, a dica é que os dois façam um só caixa no fim do mês para pagar todas as despesas. “Não dá para dizer ‘meu dinheiro e sua dívida’, e, sim, ‘nosso dinheiro e nossa dívida’. O acordo tem de fazer parte de todas as decisões e aquisições do casal. Separar o dinheiro é o início da separação do casamento”, sentencia o pastor Sebastião Carvalho, treinador de líderes do Ministério Casados para Sempre, instituição que atua no aconselhamento para a família em 96 países há 25 anos.
O DIVÓRCIO E A RELIGIÃO NO BRASIL
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A Lei do Divórcio completou 30 anos em dezembro. Antes da aprovação da Lei n° 6.515, de 26 de dezembro de 1977, só havia o desquite, que permitia a separação voluntária do casal depois de dois anos de casamento.
Atualmente, até os cartórios já podem realizar a separação quando há consenso entre o casal, e o processo pode levar apenas 15 dias para ser dissolvida a união. A novidade veio com a Lei 11.441/07, sancionada pelo presidente Lula. A única exigência é que o casal tenha mais de um ano separado e não possua filhos menores ou deficientes.
A opinião da sociedade brasileira também mudou com o passar desses anos. Uma pesquisa do Datafolha revelou que chega a 71% o percentual de pessoas que se dizem favoráveis à dissolução do casamento. Dentre os católicos, o índice sobre para 74%. Até mesmo os evangélicos formam maioria quanto à aprovação do divórcio: são 59% entre tradicionais e pentecostais.
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RESPEITO ÀS OPINIÕES A convivência a dois também pode encontrar travas pelo caminho. Nesses casos, o egocentrismo e a falta de diálogo são apontados como principais entraves na construção de uma boa relação. Muita gente se casa e continua com a cabeça da época de solteiro, quando tudo girava em torno dos seus interesses e, às vezes, a pessoa demora a se tornar um cônjuge. O conselho para quem vive esse impasse é aprender a dialogar com o outro e descobrir o que agrada o parceiro, “mesmo que isso signifique renunciar à sua própria vontade”, adverte Sebastião Carvalho.
Um exemplo claro desse problema aconteceu com Helenir Vieira, 48 anos, no início do seu casamento com David Reis, 54. Romântica confessa, ela esperava receber mais carinho, embora David nunca tivesse apresentado esse lado igualmente romântico. Resultado: instalou-se a primeira crise do casal. “Quando casei, imaginava um mar de rosas. Sei que cada pessoa tem natureza diferente. Mas, na época, não pensava assim. Sou melosa, gosto de ficar abraçando, e queria que ele fosse assim também. Mas o David sempre foi muito calado. Isso me causou muito impacto. Muitas vezes, me revoltava e achava que ele não gostava de mim”, conta Helenir.
“As pessoas estão descobrindo que é impossível ser feliz sozinho. Daí a procura por valores que deram certo. Aquilo que era ultrapassado está se tornando moda outra vez”, diz o pastor Silmar Coelho Por outro lado, ele também tinha suas reclamações, principalmente quando se tratava de suas convicções, quase sempre ignoradas por ela.
E David lembra: “No início, a vontade dela tinha de prevalecer o tempo todo. Ela acreditava que o seu ponto de vista era sempre o certo. Em contrapartida, minhas opiniões sempre estavam erradas. Quando ela percebeu que ambos podem pensar certo e errado, as coisas começaram a se desenvolver melhor”.
A harmonia na relação só foi possível por meio de muito diálogo e da mudança de atitude em relação às divergências e particularidades de cada um. Ambos, ao seu modo, foram abrindo mão de algumas características – e adquirindo outras – para tornar a convivência possível e agradável. Mesmo depois de 30 anos, o conflito de idéias existe, mas o respeito mútuo trouxe equilíbrio e afinidade para o casal. “Hoje em dia, vivemos mil vezes melhor do que no início do casamento. Ele, inclusive, se tornou mais carinhoso, do jeito que eu queria.”
DEZ PRINCÍPIOS PARA MANTER-SE CASADO PARA SEMPRE
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1. Reconhecer e deixar um espaço para as diferenças
2. Entender o casamento como uma escola, onde os dois se matriculam para aprender a ser o que nunca foram
3. Humildade para aceitar aprender sempre. Alguém disse: “O desejo de mudar é uma grande prova de amor”. Só os humildes se mantêm abertos para as mudanças necessárias
4. Praticar a arte do diálogo construtivo. É impossível construir um relacionamento de qualidade quando o casal não pratica o diálogo. Todo casal deveria saber que, no processo de comunicação, o ponto-chave é ouvir de forma empática, ouvir com o coração o coração do outro
5. Tratar com dignidade a família de origem do outro. Lembre-se, respeito gera respeito
6. Cultivar o amor, não deixando o romantismo acabar e renovando a paixão sistematicamente
7. Praticar a fidelidade
8. Separar tempo um para o outro
9. Dividir responsabilidades e cumpri-las com maestria
10. Reaprender a se apaixonar
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Outro ponto nevrálgico da relação é, sem dúvida, a sexualidade. No bojo do casamento, uma série de responsabilidades e atividades pode sobrecarregar o casal. A correria diária, a chegada dos filhos ou o excesso de trabalho são alguns exemplos. No entanto, o importante é construir a sexualidade e não negligenciá-la. “O casal não pode abrir mão disso. Tem de conversar sobre o assunto. Não pode deixar que as situações tomem tanto espaço a ponto de esquecer o sexo. E deve ter tempo para namorar, para sair sozinho”, aconselha Elizabeth Pimentel.
“A maioria se casa sem ter a mínima noção do que significa uma ‘aliança’. Pergunte para alguns casais de noivos por que eles estão se casando e não se assuste com as respostas”, observa o pastor Josué Gonçalves, do Ministério Família e Graça SOS DO CASAMENTO Se depois de tentar tudo, a relação conjugal ainda estiver desencontrada, não desanime. Hoje, existem muitas formas de encontrar ajuda e resolver questões ligadas ao matrimônio.
Do ponto de vista editorial, nunca se viu tantos livros que esmiúçam o tema exaustivamente. Em geral, são obras baseadas no conceito bíblico do casamento, aliadas ao conhecimento clínico da psicologia. Se o discurso literário não for suficiente, uma outra fonte de ajuda são as terapias de casais, o aconselhamento pastoral e as reuniões de grupos especializados na área.
No Brasil, há dezenas de instituições que têm como objetivo dar suporte a pessoas que querem levar a união adiante. O Instituto Integração Família (Inif) é um exemplo. O grupo, formado por profissionais do Corpo de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos (CPPC), oferece atendimento a casais e famílias em clínica social. “Os casais em crise precisam de ajuda. Às vezes, o ideal é que os dois resolvam as crises sozinhos. Mas há casos em que as discussões se tornam muito repetitivas, e o casal não consegue romper o ciclo vicioso. Então, precisa-se de um mediador, terapeuta, conselheiro, pastor para ajudar o casal”, orienta o psiquiatra e coordenador do instituto, Fábio Damasceno.
“Muitas vezes, as pessoas estão casadas com o passado. Elas não sabem qual expectativa têm com relação ao outro e cobram do outro algo que nem mesmo sabem o que é”, explica a terapeuta de casais Elizabeth Pimentel Além do trabalho direcionado, o Inif também oferece curso de especialização para profissionais da área de saúde que desejam trabalhar na área da família. Ainda há curso de psicoteologia para pastores e líderes que aconselham casais nas igrejas. “O curso oferece ferramentas de abordagem psicológica de casais com um enfoque bíblico”, acrescenta Damasceno. Os interessados podem entrar em contato pelo site do CPPC (www.cppc.org.br) ou ainda pelos telefones disponíveis na página.
Um outro grupo com objetivos semelhantes, mas de alcance internacional, é o Casados para Sempre, que funciona como uma extensão do Marriage Ministries Internacional (MMI), criado nos Estados Unidos há 25 anos. O ministério está presente em 96 países e seu material já foi traduzido para mais de 30 idiomas. Um dos seus públicos-alvo é justamente atingir pessoas que contraíram matrimônio e pretendem continuar “casadas para sempre”, apesar dos contratempos inerentes ao relacionamento conjugal.
Esse grupo também oferece um curso para noivos e namorados chamado “Noivos-ONE”, que tem o objetivo de orientar os jovens sobre a vida em “uma só carne”, como diz a Bíblia. Segundo o treinador de líderes, Sebastião Carvalho, o ideal seria a busca por esses grupos antes mesmo de ocorrer algum problema. “Não adianta querer colocar um cadeado somente depois de a casa ter sido assaltada. A melhor coisa é a prevenção. Aí, quando os tradicionais problemas que afetam a maioria dos casais baterem à porta, o casal resistirá com maior eficiência”, argumenta.
Os noivos Diego e Fabiana já fazem parte dessa realidade. Ainda durante o período do namoro, eles procuraram ajuda e aconselhamento para o futuro casamento. “Fizemos o Aconselhamento Pré-matrimonial (APM) da AD em Cordovil (Rio de Janeiro), onde congregamos. Trata-se de uma espécie de entrevista com um pastor-psicólogo que conversa com os dois juntos e também separadamente. Nela, são abordados assuntos de toda espécie que irão influenciar na nossa união. Achamos que foi muito importante. Todos devem fazer”, aconselha o jovem casal. É claro que a convivência trará problemas inéditos. Mas a base teórica servirá de fundamento para encontrar as soluções, além de evitar algumas questões mais ordinárias.
Os especialistas em família são unânimes em dizer que, apesar das dificuldades, vale a pena lutar pelo casamento. “Estou casado há 32 anos. A palavra divórcio não existe no meu vocabulário. Estou muito mais apaixonado hoje do que no dia em que me casei. Meu casamento é perfeito não porque eu não tenha problema, mas porque eu e minha esposa aprendemos a resolver os problemas sem culpar e agredir um ao outro”, testemunha Silmar Coelho.
Para Josué Gonçalves, é possível, sim, mesmo no mundo de hoje, se manter casado para sempre, desde que o casal esteja disposto a praticar os princípios estabelecidos, sobretudo, pela Palavra de Deus. “Não existe outro caminho. A Bíblia é o mais completo manual sobre vida conjugal e familiar. No Sermão da Montanha, Jesus deixou os princípios fundamentais para se construir um projeto de vida a dois à prova de tempestade”, finaliza.
Em defesa de toda família
Pastor Jaime Kemp fala sobre os seus 40 anos de ministério a favor do lar cristão
Pastor Jaime Kemp, 67 anos, foi o fundador do Ministério Lar Cristão há 40 anos e já publicou 56 livros sobre família Em 12 de abril de 1967 um jovem missionário americano aportava ao Brasil. Recém-casado, Jaime Kemp e sua esposa encararam 25 dias de uma longa jornada de navio da Califórnia, nos Estados Unidos, até o Porto de Santos, litoral paulista. Sem falar quase uma palavra em português, Kemp desenvolveu outras linguagens para expressar seu amor pelas famílias do país. Uma relação que começou muito antes, aos 10 anos de idade, quando aquele menino da roça – como o próprio pastor Kemp se intitula – fez um trabalho sobre geografia e história do Brasil.
Há 40 anos em terras brasileiras, Kemp viu muita coisa mudar. Assistiu à revolução feminina e à banalização do matrimônio. À frente do Ministério Lar Cristão, ele, que é pai de três filhas, já publicou 56 livros. Todos acerca da família. A Coleção Amo Você, por exemplo, está na 20ª edição, o que é um sucesso para o mercado editorial.
Precursor da primeira turma dos Vencedores por Cristo (VPC), o pastor de 67 anos acredita que os jovens da década de 1970 eram bem mais comprometidos com o trabalho de Deus. De suas viagens pelo Brasil – que ele conhece como a palma da mão –, Kemp se diz impressionado pelo Pantanal. “A maioria dos brasileiros não conhece”, diz ele, que já passou por lá sete vezes. Sempre com foco na família, o missionário promove a Bíblia da Família (SBB) e prepara a Bíblia da Juventude, ainda sem previsão de lançamento.
Para os admiradores do ministério de Kemp, damos um recado: esses talvez possam ser os últimos manuscritos do pastor que, apesar de não pensar em aposentadoria, planeja diminuir o ritmo de sua rotina, devido ao diabetes. Filho de pais separados, nesta conversa ele fala sobre o amor pela família, sua chegada ao Brasil e seu descanso – esperamos que em um futuro bem distante – em sua casa na Califórnia.
ENFOQUE – Como começou sua paixão pelo Brasil e pela família?
JAIME KEMP – Começou quando eu tinha 10 anos. Eu estudava numa pequena escola rural. Estava no quinto ano, e a professora deu um trabalho para escrever uma redação sobre um país. Ela me delegou o Brasil. Eu creio que, naquela época, Deus já estava me preparando para viver aqui. Esse estudo me despertou grande interesse.
Quando eu já era missionário, um amigo, que já estava no Brasil, me encorajou a vir para cá. Quando cheguei em 1967, eu já conhecia muita coisa sobre o país: geografia, história e a cultura do povo. Tive oportunidade de viajar e hoje conheço o Brasil como a palma da minha mão.
Já minha paixão pela família, bem, isso tem histórico. Sou fruto do terceiro casamento da minha mãe. Fui criado num lar conturbado, desfeito, cheio de divórcios e brigas. Tudo isso fazia parte da minha infância e adolescência. Mas Deus sabe os caminhos dEle na minha vida. E Ele me preparou em minha própria família.
ENFOQUE – O que mudou na família brasileira de 40 anos para cá?
JAIME KEMP – A família dos anos 1960 era mais rural. Hoje o Brasil ficou mais urbano e isso impactou a família e, infelizmente, em algumas áreas aconteceu de forma bem negativa. A família não tem sossego, vive na correria. O paulistano, assim como outros moradores de grandes metrópoles, não faz uma refeição com a família sem ser aos sábados e domingos. Durante a semana, cada um está construindo sua atividade e não tem tempo para conversar. Temos também o fato de que a mulher entrou no mercado de trabalho. Isso teve implicações tremendas. A mãe deixou de ser mãe integral para ser mãe de fim de semana, de creche ou de fim de noite. Isso, de certo modo, é um problema econômico.
ENFOQUE – O que pensa sobre a questão homossexual?
JAIME KEMP – O que nós chamamos de redefinição da família? Deus estabeleceu a família diante dos homens. Homem (macho) e a mulher (fêmea). A primeira ordem que Ele deu foi: sejam fecundos, multipliquem-se e encham a terra. O que isso representa? Filhos. Para a família, o conceito de Deus é marido/esposa; pai/mãe e filhos. O movimento homossexual pensa que, por exemplo, duas lésbicas podem morar juntas e por meio da inseminação artificial podem ter filhos. Assim como dois homens que adotam uma criança e querem chamar de família. O homossexualismo tomou muito poder e militância nos últimos anos e isto em parte atingiu a família.
ENFOQUE – Acha que a Igreja está lidando bem com isso?
JAIME KEMP – Nos primeiros anos eu achava que não. Hoje ela está aprendendo a lidar. Mesmo assim, há poucas pessoas na Igreja brasileira que sabem aconselhar uma pessoa homossexual. Há restauração, sim, e temos visto casos, mas a Igreja está longe de lidar corretamente com o problema. Tanto que não existe um contexto na Igreja brasileira falando sobre o homossexual. Ele tem de fingir, viver uma vida secreta nessa área. No entanto, por dentro, ele vive um horror.
O homossexual tem medo de se abrir com o pastor ou com um amigo. Porque ele será descoberto e afastado por conta da discriminação. Eu sempre falo que Deus ama o homossexual; a discriminação é mais pelo seu comportamento. Deus não ama este comportamento. Mas podemos amar o homossexual.
ENFOQUE – E a Igreja está preparada para ouvir o homossexual?
JAIME KEMP – Ela não sabe como vai incluí-lo na comunidade. E se pergunta: será que ele é salvo? Será que o Espírito Santo pode habitar nele? Essas são indagações. Se ele está praticando o homossexualismo ou se ele é homossexual latente – ou seja, nunca praticou, mas sente o desejo. Essas são perguntas que não são respondidas. Hoje em dia é difícil você discutir um assunto como esse.
ENFOQUE – Como é seu trabalho com a juventude?
JAIME KEMP – Sou apaixonado pela adolescência. Promovo vários cursos para ajudá-los a entender essa fase. Nesses 40 anos tenho percebido que os jovens estão mais ativos sexualmente. Quanto mais pesquiso, mais me assusto. Se há tantos divórcios nos primeiros cinco anos de casamento, uma das razões exatamente está no fato de o casal furar o plano de Deus na questão do sexo. Isso traz desconfiança, sentimento de culpa e causa confusão. É um prato cheio para o diabo trabalhar.
ENFOQUE – Algumas pessoas levam à risca o conselho bíblico de que “é melhor casar do que abrasar” e acabam casando precocemente? Isso não gera uma forma precipitada de casamento?
JAIME KEMP – É uma visão muito precipitada. Cheguei a publicar um material sobre as decisões erradas que os jovens fazem em relação ao casamento. Muitos casam para sair de uma família atrapalhada, num ambiente de tristeza, mas é um erro. Tenho falado muito com pastores sobre curso pré-nupcial. Por não estarem preparando os casais, nossos líderes estão contribuindo, em muito, para a queda do lar.
ENFOQUE – Muita gente fala que adolescente é “aborrecente”. Tem de ser assim?
JAIME KEMP – Adolescentes irritam mesmo, mas digo que é uma época maravilhosa. A Igreja precisa acordar para isto. Temos pelo menos 28 milhões de adolescentes no Brasil na idade entre 10 e 16 anos. O mundo está investindo tremendamente nessa fase. Basta você ir às bancas e ver a quantidade de publicações para a adolescência. Na minha visão a Igreja precisa montar trabalhos pensados para atingir e envolver o adolescente. Criar um ambiente com muita atividade, pois é nessa fase que ele toma as decisões sérias em sua vida.
ENFOQUE – O encontro de casais está na moda. Qual sua opinião a respeito disso?
JAIME KEMP – Eu não diria nada negativo com relação ao encontro de casais. O problema é que nem sempre estamos concentrando nosso tempo no ensino bíblico. Gastamos muito tempo fazendo sorteios – o que é bom e faz parte –, mas damos pouca ênfase ao ensino da Palavra de uma maneira eficaz, dirigido pelo Espírito Santo.
ENFOQUE –
E sobre a família dos pastores? Como ela está?JAIME KEMP – Durante todos esses anos, percebi – apesar de não ter uma pesquisa – que 50% dos pastores têm problemas conjugais ou familiares. Isso prejudica seu ministério porque, por meio do seu comportamento, ele poderá ter autoridade ou não para falar sobre a família. Relacionado a isso, creio que estamos entrando em uma epidemia de divórcios nos púlpitos. Milhares de pastores nos próximos cinco anos vão se separar e se divorciar. O grande perigo é esse líder insistir em continuar como pastor na igreja. Há uma necessidade de cura.
ENFOQUE –
O IBGE mostrou que aumentou o número de casamentos – até entre os divorciados. Por outro lado, aumentou o número de separações.JAIME KEMP – Há dois pontos nisso. Por um lado, há casamentos recentes, de dois anos, por exemplo, se acabando. Por outro, há casamentos de 30 a 40 anos chegando ao fim. O motivo é que, muitas vezes, o casal começa bem, chegam os filhos, logo depois cuida do ensino, mas não cuida do seu próprio relacionamento. Quando os filhos saem do ninho, o casal vê que se dedicou mais aos filhos e acaba se separando.
ENFOQUE –
Existe alguma situação que o senhor analisa em que o casal não tem mais jeito a não ser o divórcio?JAIME KEMP – Eu creio que o divórcio existe na Bíblia. Deuteronômio 24. 1-4 é o documento principal do Velho Testamento sobre divórcio. Há duas concessões. Uma é a infidelidade (Mateus 19.3-9) ou abandono do lar ratificado por Paulo (1 Coríntios 7.12-15). Deus odeia o divórcio, porém, por causa do pecado do homem, Ele deu uma licença para ele se divorciar. É triste. Tentamos salvar o casamento até o final, mas em alguns casos o que acontece é o desleixo do coração do homem.