O samba é a voz do morro, já diz a canção interpretada por Zé Kéti. Durante muito tempo, o samba ecoou os conflitos sociais dos menos favorecidos. No entanto, cavaquinhos, tamborins e agogôs desceram o morro e conquistaram o asfalto. Com seus ritmos e passos marcantes, o samba e o pagode estão conquistando até mesmo a Igreja. Com a conversão de músicos, que até antes ganhavam mídia liderando grupos de pagode de sucesso, o samba disputa espaço com os ministérios de adoração comunitária. Os ex-Katinguelê Salgadinho e Juninho do Banjo, Waguinho, dos Morenos, e Emerson, do Pique Novo, relembram o passado, contam sobre sua conversão e expectativas de como esse ritmo, apesar de ter origem africana, ganhou um jeitinho bem brasileiro.
Waguinho (Os Morenos) tinha tudo o que sempre sonhou, menos paz. Após sua conversão, largou o visual “malandro” e se tornou um homem de Deus com direito a terno e gravata, sem deixar sua paixão pelo samba e pagode
Nelson Laurindo Júnior, ou Juninho do Banjo, começou sua carreira artística aos 15 anos. Músico profissional, acompanhou grandes nomes do samba como Ivone Lara e Almir Guineto. Mas foi integrando o Katinguelê que ele ganhou fama e sucesso. No grupo – que tem hoje outro irmão em Cristo, Salgadinho –, ele ficou por nove anos e gravou dois LPs que receberam o Disco de Ouro. O espírito compositor rendeu a Juninho do Banjo um nome na voz de outros conjuntos como Exalta Samba, Grupo Arte Final, Grupo Sensação.
Apesar de ter fama e sucesso, faltava algo a seu espírito. Com sérios problemas emocionais, se envolveu com drogas pesadas e saiu do grupo. “Entrei em depressão. Perdi tudo que havia ganhado. Virei mendigo. Usei cocaína e crack”, lamenta Juninho, que morou três anos e meio nas ruas de São Paulo. Após tentar o suicídio por duas vezes e passar por um longo trabalho evangelístico com sua família, ele foi para uma clínica de recuperação onde foi tratado e aceitou Jesus. Desde 2001, Juninho compõe canções e já participou dos CDs do grupo Renascer Praise. Somente em 2005, devido à boa repercussão, gravou seu primeiro CD, Filho de Deus, que conta com a participação de Maurilio Santos, Magno Malta e do ex-Katinguelê Salgadinho.
Diferente dos demais, Emerson da Costa (Pique Novo) nasceu em lar evangélico, gravou sete CDs e um DVD e conquistou Disco de Ouro. Hoje se dedica apenas à Assembléia de Deus e gravou um CD com louvor
Apesar de trilharem caminhos distintos e após saírem do Katinguelê, Juninho do Banjo e Salgadinho tiveram a mesma atitude: aceitaram Jesus como Salvador. A conversão de Salgadinho aconteceu em 1999, por meio de sua esposa. Membro da Igreja Renascer em Cristo, ele começou sua carreira ainda menino. Aos 11 anos, meio autodidata, aprendeu a tocar o cavaquinho que ganhou de sua mãe. O reconhecimento veio rápido, compondo, produzindo outras bandas e até mesmo por meio de arranjos. Após lançar o primeiro CD pela Gospel Records, ele está em seu segundo CD gospel. Com o título Presente de Deus, Salgadinho acredita que não deve haver preocupação com a aceitação dos crentes para com o ritmo do samba e que é preciso compreender as diferenças de culturas e etnias.
“Todos os ritmos foram criados por Deus e não por Satanás. Aliás, Satanás não tem herança nenhuma. Não há por que darmos a ele algo que pertence a Jesus. Se respeitássemos mais essas diferenças, teríamos menos nações matando em ‘nome de Deus’ por causa da religiosidade”, critica Salgadinho, lembrando que o samba teve origem na África e foi levado à Bahia pelos escravos enviados para trabalhar nas plantações de açúcar.
Fama e sucesso também passaram pelo caminho de Waguinho. À frente do grupo Os Morenos, liderou as paradas de sucesso. Sua vida amorosa também ganhou destaque. Ele tinha tudo o que um garoto de origem humilde sonhava: fama, carros e dinheiro. Apesar de ter estado ao lado de belas mulheres, não tinha paz de espírito. Essa inquietação o levou para o vício do álcool e das drogas. Após aceitar Jesus na Assembléia de Deus dos Últimos Dias, largou o visual “malandro” e se tornou um homem de Deus com direito a terno e gravata.
Salgadinho começou a tocar cavaquinho aos 11 anos e se converteu em 1999: “Todos os ritmos foram criados por Deus. Não há por que dar a Satanás algo que pertence a Jesus”
Mas Waguinho não deixou sua paixão pelo samba e pagode. Lançou dois CDs após sua conversão que já ultrapassaram a marca de cem mil cópias. Visitou favelas, presídios e coleciona histórias de conversões por intermédio do seu samba/pagode. “Já vi bandidos numa favela serem tocados por Deus por meio do samba. É um ritmo popular.” Sempre usando letra fácil – seus maiores hits são “Dono da Boca” e “Pão com Jesus” –, Waguinho, quando não está em viagem se apresentando, está trabalhando em uma clínica de recuperação na Baixada Fluminense.
Diferente dos demais, Emerson da Costa nasceu em lar evangélico. E foi dentro da igreja que foi descoberto, aos 17 anos, pelo integrante do Pique Novo, isso em 1997. Participando da primeira formação do grupo, Emerson gravou sete CDs e um DVD. Conquistou o Disco de Ouro e conheceu o que ele chama de família do samba. Hoje, afastado do grupo, se dedica apenas à obra e à Assembléia de Deus em Campo Grande (zona oeste do Rio de Janeiro ). “O que estava no meu coração, eu apresentei a Deus e gravei um CD com louvor para todas as idades. Sem negar minha raiz, é claro!” Emerson acredita na força do samba e espera que Deus quebre toda discriminação com o ritmo. “Esse preconceito do samba nas igrejas vem de uma minoria. No tempo de Deus isso acabará, e todo ser que respira louvará ao Senhor com cavaco, pandeiro, banjo e até o tantã.”
Juninho do Banjo (Katinguelê) começou sua carreira aos 15 anos, já acompanhou grandes nomes como Ivone Lara e Almir Guineto, mas também foi mendigo, usou cocaína e crack e em 2005 gravou o CD Filho de Deus
MALANDRAGEM QUE VEM DE BERÇO
Para Bezerra da Silva, durante muito tempo “malandro era malandro e mané tinha que ser mané!” Ele cantava os problemas sociais na mesma proporção em que debochava de relacionamentos familiares. Nascido em 23 de fevereiro de 1927, em Recife, Bezerra gravou seu primeiro compacto em 1969 e o primeiro LP seis anos depois. Implicava com a sogra, gostava de uma malandragem e se divertia com conflitos da sociedade. Durante sete anos viveu como mendigo nas ruas de Copacabana, onde tentou o suicídio e foi “salvo” por um orixá da umbanda, da qual se tornou praticante até, em 2001, ingressar na Igreja Universal do Reino de Deus. Em 2003 gravou o CD Caminho de Luz com músicas gospel. Morreu em 2005, aos 78 anos de idade.
A história de Bezerra da Silva continuou na voz de seu filho, Thálamy Bezerra da Silva, o Tuca. Nascido no meio do samba, Tuca acompanhou de perto a carreira do pai. Músico desde os 14 anos, ele acumula várias experiências no mundo da música: fez participações em discos de grandes nomes da MPB, como nos songbooks de Chico Buarque e Beth Carvalho. No melhor estilo samba groove, uma vertente do samba com batida black, lançou CD no primeiro semestre de 2007. Apesar de ter lançado um CD secular, o filho de Bezerra da Silva se converteu há cerca de um ano e freqüenta a Igreja Pão da Vida, em São Paulo. Segundo amigos, ele estuda o lançamento de um CD evangélico.
TIPOS DE SAMBA |
Nem todo samba é igual. Entenda os porquês. Samba comum É caracterizado por uma seção de ritmo contendo a marcação, geralmente do surdo ou tantã. O “coração do samba”; e seu núcleo mais importante é geralmente reconhecido como cavaco e pandeiro. O cavaquinho é a conexão entre a seção de harmonia e a seção de ritmo, e costuma ser reconhecido como um dos instrumentos harmônicos mais percussivos existentes. Partido alto Esse termo é utilizado para denominar um tipo de samba que é caracterizado por uma batida de pandeiro altamente percussiva, com uso da palma da mão no centro do instrumento para estalos. A harmonia do partido alto é sempre em tom maior. Pagode Hoje é a forma de samba que se difunde entre as periferias dos centros urbanos do Brasil, surgida nos anos 1980 com a introdução de três novos instrumentos, o banjo, o tantã e o repique de mão. Usualmente é cantado por uma pessoa acompanhada por cavaquinho, violão e pelo menos por um pandeiro. As letras são descontraídas, falam normalmente de amor ou qualquer situação engraçada. Neopagode É uma nova modalidade de pagode surgida nos anos 1990 que se mistura com axé music. Esse derivado do samba, portanto, apresenta elementos do axé como tamborins baianos, agogô e, às vezes, berimbau metalizado, apesar de manter os instrumentos do pagode. Samba de breque Hoje um gênero morto. As músicas do samba de breque eram intercaladas com partes faladas, ou diálogos. Os cantores, necessariamente, tinham um excelente dom vocal e habilidade de fazer vozes diferentes. As letras contavam histórias e eram jocosas. Samba reggae É um estilo de samba que teve origem na Bahia no ano de 1998. Na década de 1980 havia manifestações culturais de batidas latinas misturadas com axé music e melodias parecidas com reggae, porém isso não foi suficiente para definir o estilo. |
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